BULA DA CANONIZAÇÃO

DECRETO
BEATRIZ DA SILVA MENESES,
VIRGEM, ELEVADA ÀS HONRAS DA SANTIDADE

A insigne fundadora da Ordem da Imaculada Conceição, a nobre virgem Beatriz da silva, a quem hoje elevamos às honras dos Altares, levanta-se como notável exemplar de piedade e ilustre testemunho da mais alta humanidade não somente para suas filhas, mas também para todo o povo de Deus; ainda mais, para todos os homens que sinceramente buscam a sabedoria e têm me grande estima o valor de uma cândida virtude; mas de maneira especial apresenta às sagradas virgens, que professam na Igreja a vida contem-plativa, uma mensagem singular de vida virginal, onde também é enaltecido o estado das monjas que se consagram a Deus na solidão e no silêncio em assídua oração e perseverante penitência; confirma-se o espírito de oração e se ilumina claramente a excelência do inestimável tesouro escondido no campo, por cuja aquisição tudo se vende com alegria1. É, pois, uma honra que tracemos aqui brevemente a exímia vida desta virgem e de seu Instituto.

Beatriz da Silva nasceu no ano 1426, em Ceuta, na costa da África setentrional, de pais portugueses, Ruy Gómez da Silva e Isabel Meneses. Um de seus irmãos, João ou Amadeu de Meneses, professou, na Itália, na Ordem de São Francisco. Foi o autor da reforma dos Amadeítas na Família Franciscana. Foi também confessor do Papa Xisto IV, e brilhou com fama de santidade.

A piedosa menina, rica em dons naturais e da graça, distinguiu-se desde a infância por uma singular devoção a Jesus Cristo e à Virgem Mãe de Deus. Quando seu pai Ruy, postos em ordem seus negócios na África, embarcou de Ceuta para Portugal a fim de receber do rei a prefeitura da Vila de Campo Maior, também a doce Beatriz em seus promissores dez anos, o acompanhou com toda a família. Sobressaindo por sua prudência e retidão de vida ali progrediu nos estudos das ciências humanas, cívicas e religiosas. No ano de 1447 foi introduzida na corte da rainha Isabel, filha de D. João, rei de Portugal, que contrairia matrimônio com D. João II, rei de Castela, tornando-se dama de honor entre os grandes da corte. Mas nem tudo lhe foi na Corte rosas sem espinhos.

Sendo Beatriz formosa e graciosa foi pedida em casamento por vários nobres varões.Surgiram daí, por sua inconsciente imprudência, ciladas e invejas por parte de maliciosos, de tal sorte que a própria rainha que a havia trazido para a corte como dama de honor, traída por seus doentios ciúmes, tratou de afastá-la do seu caminho.Beatriz, no entanto, confortada com o auxílio sobrenatural da Mãe de Deus, e livre pela Divina Providência de tantos perigos, propôs-se consagrar totalmente daí em diante ao único Senhor, em honra da Virgem Maria, isenta de toda a mancha. Emitiu então o voto de perpétua virgindade ao Senhor Altíssimo. Para mais eficazmente pôr-se a salvo dos assédios dos nobres, fugiu para Toledo no Mosteiro de São Domingos, chamado vulgarmente de “São Domingos, o Real”, almejando refúgio e descanso. Aí D. Catarina, tia do rei de Castela, exercia o cargo de priora.

Desse modo, a mulher que se distinguia por sua singular beleza, a quem não faltava honras e riquezas, para quem sorria um próspero porvir de glórias humanas, julgando conforme o espírito do Senhor sobre a excelência das coisas e valorizando como ilusória a formosura do corpo e como totalmente vã a beleza2, desprezou o domínio do mundo e toda a pompa do século pelo inestimável amor de Jesus Cristo e a amorosa imitação de sua Mãe. Fugindo do bulício da corte, como de um outro Egito, apressou-se a buscar a solidão e receber a lei salvífica da vida. Fez-se acompanhar por duas domésticas, das quais uma era Maria de Saavedra, ocultando assim sua florida juventude dentro dos muros de um mosteiro.

Permaneceu por mais de trinta anos com as monjas dominicanas vestida de secular, sem professar regra alguma. Dava notórios exemplos de virtude tendo por seu esposo único o Senhor Jesus Cristo. Viveu humilde e ocultamente entre as virgens consagradas a Deus, menosprezando ostentações e vãs magnificências. Distribuía, a par do tesouro de sua caridade, seus bens materiais aos necessitados. Mantinha um teor de vida moderado em contraste com a generosidade com a qual socorria a pobreza de outros. Além disso, obedecia religiosa e solicitamente à superiora do mosteiro, submetendo-se prazerosamente à disciplina regular, especialmente quanto ao silêncio e à celebração diária dos Ofícios Divinos.

Convenientemente preparada por estes exercícios piedosos e dócil à inspiração do Espírito Santo, tomou a resolução de instituir uma nova família religiosa consagrada à Santíssima Mãe de Deus, concebida sem mancha de pecado, título a que a si mesmo se honrara. Desse modo, apoiada no poder de Isabel, a Católica, filha de Isabel de Portugal, então rainha de Castela, transferiu-se em 1484 com doze companheiras para casa vulgarmente chamada “Palácio de Galiana’’, doada que foi gratuitamente pela mesma rainha. A esta casa estava agregada uma igreja sob o título de Santa Sé. Aqui, livre de toda peia, concretizou seu anelo, após madura reflexão. Inaugurou então, cidade de Toledo, a nova forma de vida monástica. Para que ficasse claro que ela e suas companheiras não estivessem no futuro ligadas à convivência social, mas antes que desejavam ser propriedades exclusivas do único Senhor, quis um instituto de clausura religiosa, que fosse adaptado de modo especial à própria vocação das monjas, para que ela e suas companheiras permanecessem completamente separadas do mundo e se revestissem com o sagrado véu das virgens. Isto não a impediu de se interessar pelos negócios desta vida desta vida em conexão com o Reino de Deus. Pelo contrário, de modo mais sublime, segundo a índole da vida contemplativa, esforçava-se em servir com orações e sacrifícios, o incremento da Igreja e salvação das almas. É certo, “mesmo que alguns casos os religiosos não servem diretamente a seus contemporâneos, no entanto os têm presentes de modo mais intimo nas entranhas de Cristo e cooperam espiritualmente com eles, para que a edificação da cidade terrena tenha sempre fundamento no Senhor e a ele ordenada, para que não trabalhem em vão os que a edificam’’. Assim, enquanto Isabel, rainha de Castela, colaborava generosamente com Beatriz no funcionamento da nova religião, Beatriz, por seu lado, prestava ajuda valiosíssima à rainha, na edificação da cidade terrena.

Apenas lançados os fundamentos da nova ordem, conseguiu do Papa Inocêncio VIII as Letras Apostólicas ou Bula Inter Universa de 30 de abril de 1489, em virtude da qual se erigia o mosteiro com o nome ou título da Conceição da Santíssima Virgem Maria, no qual Beatriz e suas companheiras viveriam em comunidade, sob a observância regular e em perpétua clausura.

Realmente, o mosteiro da nova Ordem fundado em Toledo com a autoridade apostólica, foi o gerador e a cabeça de outros muitos mosteiros que, por decreto do Papa AlexandreVI, seriam eretos progressivamente à semelhança do mosteiro de Toledo, em diferentes pontos da terra. No entanto não foi concedido à piedosa fundadora recolher nesta terra de peregrinação, o fruto maduro da semente lançada por ela, porque, por divina disposição, logo que recebeu o anúncio de sua morte iminente, antes que começasse definitivamente o novo gênero de vida religiosa, adoeceu e, em pouco tempo, voou ao céu, segundo a tradição, em 1492, presentes em seu feliz transito, seis frades de São Francisco, confortando-a com os santos sacramentos e revestindo-a do hábito e do véu da Ordem Imaculada Conceição, pois estava nos extremos.

Partindo Beatriz de entre os vivos, não ficou infecundo a semente da nova religião, mas à semelhança do grão de trigo, que lançado na terra morre e dá fruto abundante, produziu frutífera colheita durante quase cinco séculos até nossos dias. Realmente a Ordem originada de Beatriz, superando as tremendas tempestades que desde o início contra ela se levantaram, logrou enraizar-se, por fim, vigorosamente em Toledo, primeiro sob a instituição da Ordem Cisterciense, conforme estabelecido pelo Papa Inocêncio VIII em 1489; depois, sob a Regra de Santa Clara, segundo o decreto do Papa Alexandre VI em 1494, até que por fim, em 1511, conseguiu do Papa Júlio II uma Regra própria pela Bula Ad statum prosperum de 17 de setembro, pela qual se confiava de modo especialíssimo a Ordem da Conceição à solicitude pastoral da Ordem dos Frades Menores sobrevindo, em seguida, um admirável crescimento. Pois até ao ano de 1526 contam-se mais de quarenta conventos da nova Ordem, dos quais um foi erigido em Roma, junto ao Foro Romano. Além disso, as Concepcionistas – consta assim se chamavam as religiosas dessa Ordem – consta que por 1540 viviam já num mosteiro na cidade do México, como primeiras monjas contemplativas no Novo Continente. As casas erigidas desde o princípio até hoje, passam de 200 na Espanha, Portugal e América, nas ilhas Canárias, nos Açores, na Itália, França e Bélgica. A casa em Roma foi erigida pelo Ministro Geral da Ordem dos Frades Menores Frei Francisco Quinõnes, mais tarde Cardeal da Santa Igreja Romana; consta que a de Nápoles foi fundada a 2 de fevereiro de 1584 por outro Ministro Geral da mesma Ordem, Frei Francisco Gonzaga. Depois de muitos problemas, lamentavelmente desapareceram alguns mosteiros; atualmente são 154.

Quanto aos despojos de Beatriz foram primeiro sepultados no mosteiro de Santa Sé, origem da Ordem e onde a serva de Deus faleceu. Quando as monjas passaram para o mosteiro de São Pedro chamado de San Pedro de las Duenãs, os despojos também foram transladados e guardados na nova residência. No ano de 1499 Felipa da Silva entregou os despojos às Monjas Dominicanas no mosteiro Madre de Dios. Finalmente, no ano de 1511 foram entregues em posse definitiva às Monjas Concepcionistas, que já desfrutavam de uma residência fixa, no proto-mosteiro da Santíssima Conceição. Nesse meio tempo, a fama de santidade de Beatriz, que já gozava em vida, alcançou grande notoriedade por suas especiais virtudes e pelos dons do Espírito Santo, e se estendia dia a dia, como foi manifesto, através de vários sinais, por ocasião do traslado de seu corpo.

Entre outras coisas, brilhou em sua vida a incontida necessidade que a impulsiona a render culto de modo admirável a Jesus Cristo crucificado e à Santíssima Virgem Mãe de Deus e a outros bem-aventurados do céu. Igualmente brilharam sua firme fé e esperança, porque, quando ciente de sua iminente morte, longe de perder a serenidade de espírito, abismada em profunda contemplação, foi feliz ao encontro de Jesus Cristo, seu esposo. Distinguiu-se também por sua singular prudência e fortaleza cristã na corte para sobrepor-se aos perigos e ameaças; ao tornar realidade a fundação da Ordem da Imaculada Conceição e pelo seu amor constante à virtude de uma ilibada virgindade e religiosa castidade. Agregue-se sua criativa caridade para com Deus e para com o próximo, aplicando-se nisso zelozamente a servir só ao Senhor dia e noite com todo o coração. Era solícita sobremaneira pela salvação das almas encomendando encarecidamente a Deus os pecadores com súplicas e múltiplas penitências. Por isso é admirável que Isabel, rainha de Castela, tivesse tão grande apreço a Beatriz e a distinguisse com seu amor, como reza a tradição, não tanto pelo parentesco que as unia, mas principalmente por seu halo fulgurante de santidade.

Desse modo a nobre virgem começou depois de sua morte a receber culto público e ser honrada pelos fiéis cristãos a começar pelas Monjas Concepcionistas. Mas como o Papa Urbano VIII, nosso predecessor, proibisse em 1625 o tributo de culto público a servos de Deus que não haviam obtido da Sé Apostólica a honra dos Bem-aventurados, as Concepcionistas começaram a transmitir a Causa canonicamente. Assim em 1636 a Cúria Arquiepiscopal de Toledo instruía o processo informativo sobre a vida, virtudes e milagres em geral; no entanto, por várias circunstâncias, a Causa não progrediu. Pelos anos de 1909-1910 deu-se continuamente ao processo por exceção, ou seja, por culto imemorial a ela tributado. Reiniciado e felizmente terminado o processo na Cúria de Toledo, a sentença do tribunal Arquiepiscopal pela qual se afirma constar o culto público imemorial tributado a Beatriz da Silva, foi aprovada pela Sagrada Congregação dos Ritos no dia 27 de julho, foi confirmada pelo Papa Pio XI, nosso predecessor.

E como depois dessa confirmação o culto da Beata Beatriz se propagasse por todas as partes, a Sagrada Congregação de Ritos, acedendo ao pedido de muitos, decretou que a 26 de fevereiro de 1950 se reassumisse a Causa, observando no entanto a disposição do cânon 2133 do Código do Direito Canônico, a saber: que antes se inquirisse sobre as virtudes para se tramitar tudo segundo as prescrições do direito vigente. Findas as discussões na Sagrada Congregação para a Causa dos Santos, primeiro numa reunião especial dos Cardeais no dia 30 de outubro de 1973 e depois numa plenária a 18 de dezembro do mesmo ano, Nós, considerando diligentemente tudo, ratificamos e confirmamos a sentença dos Padres Cardeais no dia 21 de janeiro de 1974.

No que diz respeito aos milagres, eram propostas duas curas na Cúria Arquiepiscopal do México: a primeira realizada em Sor Maria do Sagrado Coração (no século Teresa Padilha), que havendo implorado a intercessão de Beatriz da Silva, ficou completamente curada no dia 25 de março de 1923 de hemorragia subretínica, com desprendimento secundário da retina e lesões na retina do olho esquerdo; a segunda se realizou na senhora Isabel Orozco de Estrada, pois, implorado o auxilio de Beatriz, restabeleceu-se totalmente no mês de setembro de 1945 de um tumor maligno no intestino delgado e no cólon. Uma vez concluídos os processos canônicos desses milagres na Cúria do México e tudo devida-mente aprovado tanto na reunião ordinária da Sagrada Congregação para as Causas dos Santos a 29 de julho de 1975 como na plenária dos Padres Cardeais a 28 de outubro do mesmo ano, Nós, ratificando os votos dos Padres Cardeais, declaramos no dia 12 de fevereiro de 1976, que consta, com certeza, a verdade histórica de tais milagres. Por último, no Consistório celebrado a 24 de maio deste ano de 1976 aceitando o placet dos Padres Cardeais, estabelecemos este dia , 3 de outubro, para que a benemérita fundadora da Ordem da Imaculada Conceição seja solenemente agraciada com as honras dos Altares, na Basílica Vaticana.

Para a celebração anual da mesma Santa na Missa e na Liturgia das Horas, designamos o dia 17 de agosto, no qual, segundo a tradição, ocorreu a sua feliz morte.

Hoje, portanto, realizamos no templo de São Pedro em presença de muitos Padres Purpurados, de Bispos e fiéis a tão desejada Canonização de Santa Beatriz da Silva, uma vez pronunciadas as majestáticas palavras: “Em honra da Santa e indivisível Trindade, para a exaltação da fé católica e incremento da vida cristã, com a autoridade de Nosso Senhor Jesus Cristo, dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo e da Nossa, após madura reflexão e muitas vezes implorado o auxílio divino e do conselho de muitos de Nossos Irmãos, decretamos e definimos que a Bem-aventurada Beatriz da Silva é santa e a incluímos no Catálogo dos Santos, estabelecendo que deve ser venerada com piedosa devoção entre os Santos da Igreja universal. Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Amém”.

Além disso, decretamos que estas Nossas Letras desde agora têm força para produzir seus efeitos, não obstante qualquer coisa em contrário.

Dado em São Pedro de Roma, no dia três do mês de outubro do ano do Senhor de mil novecentos e setenta e seis, no décimo quarto ano de nosso Pontificado

Eu, Paulo, Bispo da Igreja Católica.

Frei Antônio Andrieta
(Tradutor)






1 Mt 13,44
2 Pr 31,30